Nova entrevista de Suzanne Collins e Francis Lawrence à revista Time

O crítico literário da revista Time, Lev Grossman, teve a honra de realizar recentemente uma entrevista com Suzanne Collins, a mente por trás da trilogia Jogos Vorazes, e com Francis Lawrence, diretor de Em Chamas e A Esperança.

A entrevista ficou tão grande que o texto foi dividido em cinco partes. A última foi ao ar na sexta-feira, dia da estreia mundial de Jogos Vorazes: Em Chamas.

Confira a sensacional entrevista na íntegra abaixo, já traduzida pela equipe do D13:

Tradução por Vito Magarão, Nathalia Campos, Gabriel Abernathy e Renata Oerle Kautzmann

Com Em Chamas estreando nos cinemas na sexta, 22 de novembro, o crítico da Time, Lev Grossman, recentemente se sentou para uma longa entrevista, cobrindo vários assuntos, com a criadora e escritora de Jogos Vorazes, Suzanne Collins e com o diretor de Em Chamas, Francis Lawrence.

TIME: Compare a Katniss no começo de Jogos Vorazes com a Katniss no começo desse filme. Como ela está diferente agora?
Francis Lawrence: Bom, a Katniss está diferente porque ela passou pelos Jogos. Eu acho que essa uma das coisas que realmente mais me interessou sobre o material e sobre esse livro é que nós podemos começar a ver os tipos de efeito que os Jogos tem nas pessoas, os efeitos que a violência tem nas pessoas.

Como você mostra essa mudança?
Francis Lawrence: Mesmo que ela esteja em um lugar que ela ama, na floresta, eu acho que tem um olhar, eu chamaria de “um olhar muito distante”. Ela ainda está perturbada pelas coisas e não consegue tirar algumas imagens da sua cabeça. E bem rapidamente ela tem flashbacks dos jogos, poucos minutos depois da abertura.
Suzanne Collins: Ela tem um monte de sintomas clássicos de estresse pós traumático. Ela tem pesadelos. Ela tem flashbacks. E no começo você pode observar que ela está praticando evitar as pessoas. Ela se afastou completamente de Peeta, sabe? Ela está tentando ficar longe dele. Por quê? Porque tudo associado a ele, exceto algumas memórias bem antigas da infância, estão associadas com os Jogos. Em algum nível, ela está conflituosa sobre a relação que tem com a Prim, porque ela não conseguiu salvar Rue. Então ela está lidando com tudo isso e o jeito dela de lidar com tudo isso é ir para a floresta e ficar sozinha e manter tudo isso o mais longe possível, porque já existem muitas coisas que lembram os Jogos no seu dia a dia.
Mas claro, o que acontece logo no começo da história é que a Turnê da Vitória vai começar e isso significa que ela vai ter que ir em todos os distritos e ficar lá olhando para as famílias das crianças mortas. Em alguns deles, como no Distrito 1, ela matou os dois tributos. Ela matou Marvel e Glimmer. Então é um pesadelo aguardando para acontecer. E para tornar tudo ainda pior, Snow visita ela com uma ameaça, então ela está totalmente perturbada no começo.

Eu tenho uma filha de três anos que é super obcecada com Little Bear (série de TV) e eu sempre acho engraçado que você escreveu lá e também escreveu Jogos Vorazes. Onde está a coincidência entre a Suzanne Collins que escreveu Little Bear, que é doce, quente, aconchegante e a Suzanne Collins que escreveu os livros de Jogos Vorazes?
Suzanne Collins: Todos os elementos da escrita são os mesmos. Você precisa contar uma boa história. Mesmo que Little Bear dure só sete minutos e meio, eu queria que eles fossem bem estruturados. Você tem boas personagens. Você quer contar uma história interessante que vai alcançar sua audiência. Todos os elementos são os mesmos. Você apenas está escrevendo uma história diferente e algumas vezes você muda um pouquinho, porque as preocupações das faixas etárias para as quais você está escrevendo são diferentes. As pessoas pensam que tem uma diferença dramática entre escrever Little Bear e Jogos Vorazes, e como uma escritora, pra mim, não tem.

Minhas duas personagens favoritas da série aparecem pela primeira vez em Em Chamas: Finnick e Johanna. Me conte sobre eles – eles são tão complexos, bem no limite entre indescritivelmente terrível e incrivelmente atraente.
Suzanne Collins: Eles são duas das minhas personagens favoritas também. Finnick e Johanna são pessoas que já viveram a vida dos vitoriosos. Eles não passaram apenas pelo horror dos Jogos Vorazes, eles vem do outro lado deles, o que supostamente deveria ser uma vida de luxo e prazer para o resto da vida e eles descobriram que era tudo, menos isso. Eles foram prostituídos pela Capital. Se eles tentarem resistir de alguma maneira, eles são punidos com as pessoas que eles amam sendo mortas ou atormentadas de alguma forma. Então os dois desenvolveram uma espécie de personalidade que é a personalidade deles na Capital, que é tudo que a Katniss já viu deles. Mas é claro que por baixo – eles são como “personagens cebola” e quando você vai tirando as camadas, você descobre mais sobre as experiências que eles passaram. Haymitch é outro – todos os tributos vitoriosos na verdade são.

Como foi o processo de escolher o atores? Como vocês acharam o Finnick e a Johanna?
Francis Lawrence: Nós vimos várias pessoas para os dois. Foi realmente um processo complicado, mas o Sam, que faz o Finnick – ele foi uma das primeiras pessoas que eu vi. E a gente continuou vendo mais e mais e mais pessoas e eu terminei escolhendo o Sam no final, mais pelo que a gente já sabe do Finnick no decorrer da história do que pelo que a gente vê dele na primeira cena. Sam pode ser muito charmoso e paquerador e ele é bonitão e está em boa forma, então eu sabia que ele podia fazer aquilo. Mas o que eu realmente gostei foi o lado emocional e real dele.
Suzanne Collins: Fizeram ele ler as duas cenas – cenas da entrada dela e cenas de depois, quando ele está deprimido.
Francis Lawrence: Exatamente. E então eu estava vendo um monte de garotas para Johanna, e havia um monte dessas meninas que estavam apenas entrando e atuando como garotas malvadas. E eu não fui com a cara delas. Johanna era supostamente para ser, ou sentir, um pouco desequilibrada e imprevisível. Você realmente não pode atuar assim; você meio que tem que ser assim. Eu sabia que Jena Malone estava chegando e conhecia um pouco de seus trabalhos anteriores, embora nunca tinha conhecido ela pessoalmente. Ela entrou na sala interpretando. Seus olhos estavam vermelhos, ela estava brava com alguma coisa – quer dizer, ela me intimidou quando entrou na sala. E então fez as cenas e foi inacreditável. Ela interpretou a personagem de uma maneira que ninguém mais chegou perto de fazer. E ela conseguiu o papel realmente muito rápido depois disso.

Suzanne, você trabalha no roteiro e participa da escolha de alguns atores. Você está no set?
Suzanne Collins: Eu visito o set, mas eu sinto como alguém que vai apenas para assistir, não há nada realmente para eu fazer em termos de trabalho. É como você chegar em um set e todo mundo tem um trabalho, menos você. Eu me sinto muito confortável com tudo o que está transpirando no set estando lá ou não, o que é uma boa coisa.

Havaí, certo? Deve ter sido tentador.
Francis Lawrence: Nós tentamos levá-la até lá.
Suzanne Collins: Eu fico com queimaduras de sol em três segundos.

Francis, o quê o atraiu em Em Chamas? O que fez você querer fazer este filme?
Francis Lawrence: As histórias, no geral, eu amei. O tema e a ideia da consequência da guerra e o que isso faz com as pessoas e como elas são afetadas pela guerra e pela violência. Eu só pensei que não há muitas dessas histórias para jovens adultos que realmente provém de uma ideia real, uma ideia forte, atual e narrável. Então eu tive a oportunidade de meio que abrir o mundo com Em Chamas. Parte do que eu amo fazer é criar, e o mundo já estava praticamente pronto no primeiro filme, mas havia mais oportunidades – nós íamos ver mais da Capital, mais do 12, vários outros distritos. Havia uma arena novinha em folha que não tinha nada a ver com a primeira arena. Então havia muitos elementos visuais pra eu enterrar os dentes.

Você se sentiu querendo manter o mesmo tipo de estilo e vocabulário visuais que Gary Ross (diretor de Jogos Vorazes) estabelecera?
Francis Lawrence: Eu acho que teria sido um tanto errado jogar fora inteiramente uma abordagem de um filme quando se trabalha em uma franquia. Eu nunca faria isso com uma franquia. Mas dizendo isso, eu achei que havia algumas oportunidades de abrir a dimensão em termos de figurino, efeitos visuais e a geografia em geral. Eu gostei da abordagem naturalista de Gary. Eu tenho a minha própria versão, meu próprio estilo. Eu não filmo da mesma maneira que ele, eu escolho tipos diferentes de lentes, e uma parte disso é se sentir mais íntimo dos personagens enquanto ainda mantinha um senso de âmbito. Então eu tenho uma abordagem diferente, mas eu mantive o mesmo designer de produção, porque ele projetou a Capital, e essa estética deve se manter. E mesmo os outros distritos, ainda deveria haver uma unidade estética ao longo de todo o processo que eu queria me certificar de que nós manteríamos.

Retrocedendo um pouco… Suzanne, por que escrever um livro como esse? Por que escrever um livro sobre guerra e violência para adolescentes? Por que é importante que eles saibam sobre isso?
Suzanne Collins: Jogos Vorazes é parte de uma meta maior que eu tenho, a qual é escrever uma história de guerra apropriada para cada época da infância, o que eu meio que completei em setembro quando eu lancei um livro ilustrado chamado Year of the Jungle. É uma autobiografia sobre o ano em que meu pai esteve no Vietnã e é uma história doméstica. Sou eu, minha família, os cartões portais que ele mandou, a minha imaginação sobre aquilo – não tem nada de ficção.
O primeiro que eu fiz foi a parte dos leitores de 9 a 14 anos, que foi As Crônicas do Subterrâneo: Gregor, o Guerreiro da Superfície. E depois Jogos Vorazes foi para os jovens adultos. Meu pai foi um militar. Ele era um veterano, um doutor em ciência política, ele lecionou em West Point e na Faculdade de Comando da Força Aérea e palestrou na Faculdade de Guerra. E quando ele voltou do Vietnã, eu tinha provavelmente 6 anos, e ele, eu acho, sentiu que era sua responsabilidade se certificar de que todas as suas crianças tivessem um conhecimento sobre a guerra, sobre o seu custo, suas consequências.
Então eu senti que eu fui meio que educada nesse assunto por alguém que tinha bastante experiência, tanto na vida real como historicamente. E se eu pegasse os 40 anos de meu pai falando pra mim sobre guerra e batalhas e me levando a campos de batalhas e compactasse-os em uma pergunta, ela provavelmente seria sobre a ideia da guerra necessária ou desnecessária. Esse é bem o coração disso.
O livro ilustrado é realmente só uma introdução à ideia de guerra, porque foi aos 6 anos que eu descobri o que ela era. As Crônicas do Subterrâneo, meio que se adiantando em sofisticação, é sobre a guerra desnecessária. As Crônicas do Subterrâneo é uma guerra desnecessária por um tempo bastante longo até se tornar uma guerra necessária, porque houveram esses períodos em que as pessoas poderiam ter pulado pra fora do trem, mas elas não o fizeram, elas simplesmente continuaram a motivar a violência até que ela ficou fora do controle. Em Jogos Vorazes, de acordo com a maioria das pessoas, em termos de rebelião ou de uma situação de guerra civil, esses seriam os critérios para uma guerra necessária. Essas pessoas estão oprimidas, seus filhos estão sendo retirados delas e colocados em jogos de gladiadores. Eles estão empobrecidos, eles estão com fome, eles estão bestificados. Essa seria, para a maioria das pessoas, uma situação aceitável para uma rebelião.
E então o que acontece é uma reviravolta por conta própria. Se você olhar para as arenas como guerras ou batalhas individuais, você começa com a primeira e você tem um bem clássico jogo de gladiador. Com relação à segunda, ela evoluiu para o palco da rebelião, porque a arena é o único lugar em que todos os distritos, que não podem se comunicar uns com os outros, se reúnem; é o único lugar que eles podem todos assistir juntos. Então é onde a rebelião explode.
E então a terceira arena é a Capital, a qual agora se tornou uma verdadeira guerra. Mas nesse processo de se tornar uma verdadeira guerra, no processo de se tornar uma rebelião, eles agora fizeram uma cópia da arena original. Então é cíclico, e esse é o ciclo de violência que nos parece impossível de quebrar.

As descrições de combate na arena são tão viscerais, tão gráficas – como você sabia até onde poderia ir, em termos de descrever violência para uma audiência jovem?
Suzanne Collins: Acho que provavelmente minha própria experiência na infância. Eu fui exposta a esse tipo de coisa bem cedo, por causa de história e por causa do meu pai. Acho que ele sabia em qual nível era aceitável em idades diferentes explorar tópicos diferentes ou algo assim. Esse provavelmente foi o meu guia durante os nove livros.
Eu acho que é muito desconfortável para as pessoas conversarem com crianças sobre guerra. Então eles não conversam, porque é mais fácil. Mas ai você tem jovens com 18 anos que tem que se alistar no exército e eles realmente não tem a menor ideia sobre onde estão se enfiando. Eu acho que a gente coloca as crianças em uma enorme desvantagem quando não as educamos sobre a guerra, quando não deixamos elas entenderem isso desde novinhas. Não é sobre assustá-las. Essas histórias não me assustavam quando eu era pequena e nesses casos, são ficção. Gregor se passa num mundo de fantasia e Jogos Vorazes se passa em um futuro distante. Eu não sinto que os jovens leitores estão com medo por causa delas. Eu acho que eles estão intrigados e de algum jeito eles estão aliviados de ver esse tópico em discussão.
Francis Lawrence: Sim, e ver que você não os poupa. Acho que isso é uma parte. Que você não poupa e mostra as consequências.
Suzanne Collins: É algo que nós deveríamos conversar bem mais cedo com nossas crianças. Existe, mas pessoas ficam desconfortáveis e não sabem como falar sobre isso. Existem crianças soldado ao redor do mundo inteiro agora que tem 9, 10 anos e estão carregando armas, forçadas a ir para a guerra e outras coisas. As nossas crianças não podem ler uma história ficcional sobre isso? Eu acho que elas podem.

Porque escrever como ficção científica? Porque não escrever uma novela realista sobre uma guerra que realmente aconteceu?
Suzanne Collins: Eu acho que porque existem alguns elementos alegóricos [nessa história]. A arena é bem alegórica. É o símbolo – a gente vai observar se transformando. E eu precisava criar, manipular isso para fazer funcionar. Tem uma base para a guerra, historicamente, nos Jogos Vorazes, que seria a terceira guerra servil, que foi a guerra de Spartacus, quando você tem um homem que é um escravo e vira um gladiador que sai da escola de gladiadores e lidera uma revolução e vira o rosto da guerra. Então tem um precedente histórico desse arco para uma personagem. Mas eu acho que eu precisava de liberdade para criar elementos que eu não iria achar nitidamente na história.

Francis, você pensou qual seria o limite, em termos de mostrar a violência graficamente?
Francis Lawrence: Bom, eu lembro que quando eu estava lendo o primeiro livro pela primeira vez, mesmo não estando envolvido em nada daquilo, eu estava pensando que ia ser bem complicado, só porque eu tive problemas de classificação etária com outros filmes que eu fiz no passado. Eu estava pensando: “poxa, abuso infantil é uma coisa complicada de mostrar no conselho de classificações e mostrar crianças matando crianças vai ser difícil.” Eu, no entanto, tive uma experiência bem diferente, porque tem muito menos crianças em Em Chamas do que em Jogos Vorazes. Você agora está lidando com uma arena cheia de vitoriosos, então a gente tem uma mulher de oitenta anos e Katniss e Peeta, que eu acho, são os mais novos.
Suzanne Collins: Eles são os únicos que tecnicamente são menores. Eles tem 17 anos e a próxima que é a mais nova é a Johanna e ela tem 21.
Francis Lawrence: E tem muito menos violência homem vs. homem. A arena fica muito mais mortal. Então eu estava bem menos preocupado do que eu estaria se eu tivesse feito o primeiro filme.

As pessoas sempre mencionam O Senhor das Moscas como uma conexão com Jogos Vorazes. Essa foi uma influência para você?
Suzanne Collins: O Senhor das Moscas é um dos meus livros favoritos. Foi uma grande influência pra mim quando eu era adolescente; eu ainda leio ele quase todos os anos.
Esse foi definitivamente um livro que eu li quando era adolescente e pensei, não estão mentindo pra mim. Ninguém está querendo tapar as rachaduras. É assim que as pessoas são e é assim que iria acontecer. O que mais foi uma influência?
Em termos de impulso inicial para a história, eu era fanática por mitologia grega quando eu era mais nova, então você definitivamente vai ver elementos disso, desde Teseu e o Minotauro e a opressão de Creta por Atenas, a loteria e o chamado de jovens e donzelas para serem jogados no labirinto de Creta. E Spartacus – quando eu era pequena eu era fascinada com os filmes de gladiador, então era Spartacus e Demetrius, O Gladiador, mas Spartacus é o melhor, então isso teria que ser uma influência.
Mas também uma parte de história verídica para mim, porque o meu pai costumava me contar o contexto histórico e ele pegava a cópia de Parallel Lives (sem tradução para o português), de Plutarco (Plutarch, em inglês) e ele lia para mim a parte sobre Spartacus dali, então tudo estava integrado de outro jeito também. Então eu acho que eu estava destinada a escrever sobre um jogo de gladiadores.

Livros favoritos além de O Senhor das Moscas?
Suzanne Collins: Eu tenho tantos.

Que influenciaram diretamente?
Suzanne Collins: Provavelmente 1984 e Admirável Mundo Novo, por causa dos aspectos distópicos. Tinham vários livros que tinham protagonistas jovens adultos quando eu estava crescendo. Eu amei A Tree Grows in Brooklyn (sem tradução para o português, de Betti Smith). Eu li quando já era adulta, mas eu amei We Have Always Lived in a Castle (sem tradução para o português). E aí a gente chega em The Lottery (da mesma autora do livro anterior, Shirley Jackson). Não dá pra fingir. É uma loteria de onde você tira um nome e as pessoas morrem. É uma história curta, mas é uma incrível história curta.

De onde veio a Katniss?
Suzanne Collins: Katniss surgiu quase totalmente formada. Que ela é uma arqueira, que ela era a única forma de sustento da família, que ela era uma personagem muito admirável mas ao mesmo tempo muito defeituosa, porque ela precisaria disso para sobreviver o que ela iria sobreviver. Ela era uma dessas crianças que tem muita responsabilidade jogada nas costas delas quando são muito novas e isso a formou de alguns jeitos. Então tem algumas coisas que ela é extremamente madura e outras que ela é extremamente imatura para sua idade.
E o que é engraçado – quando eu sentei para escrever o livro, eu queria que ele fosse que nem As Crônicas do Subterrâneo, narrado no passado e em terceira pessoa. E ai eu comecei a escrever e apareceu na primeira pessoa no presente. Era como se ela estivesse insistindo em contar a história, então eu segui. Ela estava completamente formada na minha cabeça bem rapidamente.

O que você acha que as pessoas encontram para se identificar com ela? Obviamente a experiência dela é muito diferente da das pessoas que realmente leram os livros. Ou eu espero que seja.
Suzanne Collins: Bom, eu acho que uma das coisas que faz as pessoas se identificarem com ela, é que ela tem um monte de defeitos. Você descobre na primeira página, por exemplo, que ela tentou afogar um gato. Agora, se você pensa sobre isso, tem mais um monte de coisas que você poderia ter feito com um gato. Você poderia colocá-lo do lado de fora, ela podia ter perguntado para os vizinhos se alguém queria ficar com ele, ela podia deixá-lo correndo para pegar ratos. Mas ela pega ele e tenta afogá-lo em um balde enquanto a irmã dela está chorando e ela tem compaixão porque é a Prim, mas você está na página um e você sabe que não tem que ficar preocupado com essa personagem se sentindo superior a você por três volumes. De cara você já sabe que ela não é perfeita.
Mas bem rapidamente, em poucos capítulos, ela vai fazer essa coisa grandiosa, que é se voluntariar pela Prim na Colheita. Então aí você já encontra uma personagem complexa. E você não tem certeza – o compasso moral dela também muda. Não está sempre apontando para o norte. Não está sempre apontando para a escolha certa e moral. No fundo, ela tem um coração, mas você sabe que ela é capaz de fazer escolhas que ninguém deveria fazer.
Francis Lawrence: Eu também acho que as pessoas se relacionam com ela e acreditam nas escolhas que ela faz. Ela não é uma super heroína de jeito nenhum. Ela é uma pessoa muito real, que quer coisas muito reais, mas está muito relutante em pegar qualquer tipo de super responsabilidade. Eu acho que qualquer um de nós, homens ou mulheres, pode imaginar ser jogado em uma situação dessas e aí a gente se identifica com as escolhas que ela faz. Ela é heroica, mas não é super heroína e eu acho que isso é algo grande.

Como é você com o arco e flecha? Você usou algum para pesquisa?
Suzanne Collins: No ensino médio, por alguns anos, a gente  praticou tiro com arco e flechas. Nenhum comentário aqui.
Você escolhe sua arma pelo tipo de guerra. Nesse, eu precisava de uma arma que fosse algo passível que ela pudesse usar. Não usar magicamente, mas de verdade. Então, ela não podia possuir nenhuma arma, mas você pode construir um arco com várias coisas que você encontra na floresta, se você souber como e o pai dela fabricava arcos. Dá pra colocar ela realisticamente saindo escondida e usando esses arcos e ela acabou ficando muito boa. Na verdade, você tem que ser realmente muito bom para alimentar sua família com um arco, então o talento que ela tem o arco é conseguido dificilmente. Não é algo que acontece do nada.
Mas eu também precisava de uma arma que quando saísse da arena para uma zona de guerra, pudesse ser militarizada. Então esse é o arco e flecha, que pode realmente ser usado em combate.

Mas essa não seria sua escolha de arma, provavelmente.
Suzanne Collins: Quando era jovem, eu fui treinada no combate com florete e espada por vários anos.
Francis Lawrence: Você gosta de acabar com as pessoas de pertinho.
Suzanne Collins: É tudo coreografado, parece mais uma dança, na verdade.

A Katniss é a personagem que você mais se identifica?
Suzanne Collins: Ela é a personagem que eu tenho mais dificuldade de separar de mim mesma, na minha mente, mas quando eu dou um passo pra trás e olho para a série, ela não é a que eu me identifico mais.

E quem seria?
Suzanne Collins: Isso não é uma coisa muito legal para falar sobre si mesmo, mas seria Plutarch Heavensbee.

Sério?
Suzanne Collins: Sim, porque ele é o idealizador. Plutarch está criando a história e ele está criando a arena e ele está manipulando as personagens – um escritor não está muito longe de um idealizador. E o Plutarch é a mente por trás da rebelião, então ele está pensando de muitas formas na história e em como a história vai se desenvolver do mesmo jeito que eu como uma autora enquanto estou contando [a história]. Eu não estou criando arenas ou algo assim, mas se você analisar de uma perspectiva criativa, nós estamos fazendo a mesma coisa.

Você está em uma posição engraçada como alguém que criou esse enorme fenômeno midiático que também é altamente crítico sobre a mídia. Você acha que é um equilíbrio?
Suzanne Collins: É irônico em um nível, mas eu espero que seja uma ironia que a audiência esteja observando também. É uma das razões que me deixou super empolgada sobre a campanha de marketing. É brilhante, porque está usando as mesmas imagens para promover o filme para a nossa audiência que a Capital está usando para promover o Massacre Quartenário na Capital. Isso, exatamente isso, esse dualismo, é basicamente sobre o que o livro fala. Fica mais perceptível quando você avança, quando você chega em A Esperança: a propaganda da guerra, a imagem do verdadeiro ou falso e se você pode ou não acreditar no que está vendo na tela, o tanto que você está sendo manipulado, o tanto que a imagem está sendo manipulada, o tanto que estão mentindo para você.

Com o seu passado dramático, você estava tentada a fazer um cameo?
Suzanne Collins: De jeito nenhum.

Nem um pouquinho? Francis?
Francis Lawrence: Eu teria colocado ela lá se ela quisesse. Em uma cena da festa ou algo assim.
Suzanne Collins: Não.
Francis Lawrence: Nós devíamos te enfiar lá em algum lugar.
Suzanne Collins: Eu não quero aparecer.
Francis Lawrence: Eu dizia: “você não vai aparecer na cena se ficar aí, Suzanne, eu juro.”
Suzanne Collins: Eu não sou confortável perto de câmeras, acho que nós percebemos isso hoje.

Onde você escreve?
Suzanne Collins: Eu escrevi Jogos Vorazes em uma cadeira, estilo poltrona, perto da minha cama. Eu tinha um escritório, mas meus filhos tomaram conta.
Francis Lawrence: Em um laptop?
Suzanne Collins: Sim.
Francis Lawrence: Não uma mesa?
Suzanne Collins: Não. Na verdade, eu tenho um estúdio agora e não tem nenhuma mesa, porque eu não escrevo na mesa.

Você escreve na poltrona?
Suzanne Collins: Aham, em um laptop. E fico andando muito.

Quando leio o que as pessoas escrevem sobre Jogos Vorazes, parece haver uma divisão entre pessoas que o lêem como uma alegoria da experiência emocional que é seu um adolescente, e há aqueles que lêem como uma exploração mais literal sobre os problemas que circundam a guerra e a opressão política. São os dois? Você fica confortável como os dois?
Suzanne Collins: Eu tenho lido muitas interpretações. Tem toda uma alegoria cristã. Então você sabe, eu vi pessoas falando sobre o livro como sobre a Caverna de Platão, o que é muito divertido. Eu vi condenações de grandes governos. Eu vi, você sabe, vi de tudo um pouco. Eu acho que as pessoas trazem muito de si mesmas para o livro. Quando Jogos Vorazes foi lançado, pude perceber que as pessoas estavam tendo experiências bastante diferentes. É uma história de guerra. É um romance. Outras pessoas dizem que é uma história de ação e aventura.
Sabe, para mim sempre foi, em primeiro lugar, uma história de guerra, mas qualquer coisa que lhe traga para dentro da história está bom para mim. E então, é claro, que se a pessoa interpreta a história como uma alegoria cristã ou sobre a experiência da adolescência, você não pode dizer para ela que não é isso. Aquela foi sua resposta verdadeira para a história, é isso que eles têm, e isso está bom. Você não pode escrever e, em seguida, sentar-se do outro lado e interpretá-lo para as pessoas.
Eu posso dizer que para mim era uma história de guerras. Mas também há tantas questões éticas porque você está lidando com guerra, e também todas estas outras questões éticas periféricas, você sabe, há violência, há guerra, há fome, há a propaganda, há o meio ambiente que foi destruído, há um governo cruel e abuso de poder e todos estes elementos que entram no jogo, e as pessoas responderão àquelas que são mais importantes para elas, e você sabe que outras pessoas vieram pela história de amor. Está bem. Venha pela história de amor, fique pela guerra.

Francis, você lê as reações de seus fãs na internet? Você acompanha o que as pessoas dizem no Twitter sobre a escalação de elenco ou coisas do tipo?
Francis Lawrence: Sim, um pouco sim. Quero dizer, tem sido bastante positivo na minha experiência até agora, o que é muito legal. Quero dizer, tenho que dizer que quando consegui o emprego eu meio que fiquei offline por uma semana ou duas, eu estava um pouco nervoso sobre isso…
Suzanne Collins: Até eles acabarem de falar sobre você?
Francis Lawrence: Sim, qualquer que fossem seus sentimentos, eu não queria saber. Então, eu comecei a ler enquanto as coisas eram anunciadas. Ou então haveria rumores, sabe. Mas a qualidade das pessoas que estávamos conseguindo era tão ótima. Eu acho que a maior controvérsia foi a da escolha de Finnick. Todos tinham sua própria ideia sobre como seria este deus em forma de homem. Sabe, para alguns, é alguém do tamanho de Chris Hemsworth em Thor, e para outros, Sam Clafin é perfeito. Mas sempre haveria alguma controvérsia sobre esta decisão.

Quão difícil foi para os atores se envolverem com as coisas físicas? Combate, e tudo mais. Pareceu difícil.
Francis Lawrence: Foi difícil. Para pessoas como Jen, Josh e Sam, sabe, fazer a cena de luta com os macacos, nós estávamos nesta piscina pantanosa e enlameada, em uma chuvosa e lamacenta floresta por cerca de uma semana. E Jen estava contraindo infecção nos ouvidos e Josh ficava ameaçando que ela ia ficar com os pés congelados, e então,é claro, ela acreditou que congelaria os pés. Então foi difícil. O Havaí – quero dizer, todo mundo diz: “oh, que sorte que vocês têm que ir para o Havaí.” Mas quando você está na floresta e fazendo este tipo de coisa é complicado, você sofre.

Há uma cena memorável na qual Katniss acaba de ouvir sobre o Massacre Quaternário e corre para a floresta e sente tudo de uma vez só. Me fale sobre esta cena.
Francis Lawrence: Bom, nós a filmamos muito, muito rápido. Na verdade nós filmamos dois dias só fora da cidade aqui nas montanhas Ramapo, em New Jersey. Em janeiro, quando Jen estava em sua turnê para O Lado Bom da Vida, você sabe, a campanha para o Oscar, nós nos encontramos com ela e filmamos dois dias nas montanhas. E estava uns 12 graus negativos. Estava frio, um frio congelante. Porque estava tão frio, e porque naquela cena ela não estava usando um casaco, eu só pude pedir que ela fizesse três ou quatro vezes, e ela havia feito alguns takes em que gritava “não, não, não, não, não.” Então pedi para que fizesse a cena silenciosa, e acabou sendo aquele o take que usamos.

Me fale sobre mais alguma coisa que foi difícil – mais difícil do que você esperava.
Francis Lawrence: A Cornucópia foi muito difícil. A forma como fizemos a arena foi construindo a Cornucópia em uma ilha, e um par de raios. E a pequena plataforma em que eles surgiam, nós construímos em uma lagoa em Atlanta. E não podíamos filmar até metade de Novembro, então a água estava em uns 4 graus negativos e um pouco escura. A aparência não estava muito boa. Então só ficar manobrando em torno desta água e ter pessoas entrando e saindo da água em menos 4 graus foi muito, muito difícil. Nós nem tínhamos permissão médica para por Mags dentro da água porque estava tão frio que sua pressão sanguínea podia ficar alta.
Suzanne Collins: Nós estávamos falando de A Esperança uma vez, e você não disse “pelo menos não tem água”?
Francis Lawrence: Sim. Pelo menos não tem água. Ou muito pouco.
Suzanne Collins: Foi assim que ele se consolou.

Você ficou surpresa pela grande público adulto que este livro formou?
Suzanne Collins: Oh, sim. Não antecipei isto. Eu achei que talvez teria meu público de Gregor porque eles teriam crescido para a audiência de Jovens Adultos, e você conta com aquela parcela que lerá qualquer coisa sobre distopia, então foi uma surpresa muito agradável. Eu não antecipei isto.

Você sabia, enquanto estava escrevendo este livro, que seria algo bastante novo e grande?
Suzanne Collins: Não.

Sério?
Suzanne Collins: Sim. É como escrever qualquer outra coisa. Eu lembro dos primeiros meses, em que eu ficava muito tempo sentada lendo livros sobre sobrevivência. Nenhum dos quais pude praticar, mas agora os conheço academicamente. E só, eu só trabalhei nisto como havia trabalhado nos livros dAs Crônicas do Subterrâneo. Eu usei exatamente o mesmo processo. E não, eu não tinha nenhuma sensação de isto ser diferente.

Agora você criou um subgênero inteiro.
Suzanne Collins: Não acho que possa levar o crédito por isso.

Você pode. Vamos, aceite.
Suzanne Collins: Bom, só acho que as histórias distópicas estão atingindo os nervos das pessoas neste momento, e que Jogos Vorazes contribuiu de alguma forma para isto, mas que não pode ser toda a explicação para isto. É algo que está acontecendo dentro da cultura. Eu acho que as pessoas respondem às histórias distópicas porque é um jeito de expressar suas ansiedades e medos sobre o futuro. E há tanta mídia sobre você e tanta coisa vindo para você da internet, seu cérebro se sobrecarrega, você não sabe o que fazer com ele. E uma coisa que você pode fazer é ler uma história. Quero dizer, eu penso nas histórias de distopia como sendo contos de advertência, e é uma maneira de você poder emoldurá-la e observá-la, tentar entender o sentido e as questões envolvidas.

Sua vida mudou muito desde que os livros foram lançados?
Suzanne Collins: Não minha vida real. Quer dizer, eu ainda tenho os mesmo amigos, e minha família e minha escrita e essa é minha vida real. Mas a maior mudança seria que está seria a primeira vez na minha carreira em que eu poderia trabalhar com o que eu quisesse e não ter preocupações financeiras envolvidas. Este foi o jeito que vivi por muitos anos, e eu acho que este é um luxo que qualquer um que tenha sido escritor por um longo período não seria muito grato em ter ou não conheceria.

Você se deu algum presente? Você comprou para si algum carro esportivo?
Suzanne Collins: Meu estúdio, então eu poderia mexer minha cadeira, desde que o escritório foi tomado pelas crianças. Nós construímos um pequeno estúdio for a de casa, bem do outro lado da calçada. Este foi meu presente.

No que você está trabalhando agora, agora que você está livre para trabalhar sem preocupações financeiras?
Suzanne Collins: Bom, eu provavelmente tenho mais algumas anotações para o último roteiro, e o livro de imagens acaba de sair, mas está feito. Eu tenho uma nova peça em que estou mexendo, e é bastante nova então não posso lhe dar detalhes, e nós veremos onde vai dar. Pode ser que não dê em lugar nenhum. Agora é extremamente complicado, e simplificaria muito transformá-la em uma narrativa. O mundo é complexo. Veremos.

Última pergunta. Você está na arena, os jogos começam. Você corre para a Cornucópia, ou corre para as árvores?
Francis Lawrence: Ah, eu seria como os morfináceos. Eu iria correr e me esconder até que todo mundo estivesse morto. Sou um medroso. Isso é o que eu faria. Eu estou com os morfináceos.
Suzanne Collins: Eu definitivamente correria. E escalaria uma árvore.

Comentários

6 respostas para “Nova entrevista de Suzanne Collins e Francis Lawrence à revista Time”

  1. Avatar de Léo
    Léo

    Que entrevista incrível! Fiquei com pouco desanimado na parte em que Suzanne fala sobre os futuros projetos, pelo visto não teremos um livro novo tão cedo…

  2. Avatar de Larissa
    Larissa

    Amei a entrevista! Realmente muito boa!
    Aproveitando a equipe de tradução, será que vocês não podem traduzir o vídeo da Jennifer no Late Show de semana passada? Aquele do edredom! Estou louca para ver com legenda!

    1. Avatar de Mariana
      Mariana

      Já está sendo traduzida, Larissa. Só que nossa equipe de legenders está meio enrolada, não tenho certeza de quando conseguirão legendar.

  3. Avatar de thais
    thais

    Vcs vao legendar as outras entrevistas tbm? Queria ver o unscripted com o elenco

  4. Avatar de Maddi
    Maddi

    Achei incrivel a entrevista!Ela se identifica com Plutarch Heavensbeen que é um pouco…

  5. Avatar de Marcos Fernando
    Marcos Fernando

    Suzanne Collins, quer ser minha mãe?