Philip Seymour Hoffman, ator que interpretará Plutarch Heavensbee nos próximos três filmes da série, concedeu uma entrevista inédita ao The Independent no último 28 de outubro. Na entrevista, ele fala um pouco sobre o filme de Paul Thomas Anderson The Master, que está previsto para janeiro no Brasil. Ele também comenta sobre Jogos Vorazes e Suzanne Collins.
Enfim, sem mais delongas, confira abaixo a entrevista traduzida pela equipe do D13:
É o meio da tarde, domingo, e Philip Seymour Hoffman parece cansado.
Gasto, pode-se dizer. Sua respiração é profunda, como se ele tivesse acabado de subir uma escada correndo. Talvez seja pura exaustão emocional ou o peso da expectativa. Pois finalmente, depois de anos em desenvolvimento, The Master será lançado. Um dos filmes mais esperados do ano, trazido pelo diretor de Sangue Negro Paul Thomas Anderson, no qual Hoffman interpreta Lancaster Dodd, o carismático líder do movimento religioso conhecido como A Causa.
Se você ouviu falar alguma coisa sobre The Master, provavelmente é uma dessas duas. Que Hoffman, junto com sua co-estrela Joaquin Phoenix, saíram do Festival de Cinema de Veneza com parte do prêmio de Melhor Ator. Ou que ele é sobre Cientologia, a religião sempre controversa cujos seguidores famosos incluem Tom Cruise, ex-parceiro de cena de Hoffman em Magnólia e Missão Impossível 3 de Anderson.
Mas enquanto Dodd foi criado inspirado em L Ron Hubbard, o fundador da Igreja da Cientologia, Hoffman é firme em dizer que The Master passa longe disso. “É bem claro que o filme não é sobre isso,” ele diz. “É a base. Mas não é sobre isso. Você não vai ver o filme e descobrir muito sobre Cientologia. Nós tomamos várias liberdades. Eu não mandaria alguém para esse filme como forma de estudar esse assunto”.
Ainda assim isso não impediu que alguns elementos da mídia reportassem vários rumores – que Cruise saiu de uma sessão, que os Cientologistas planejaram sabotar o lançamento do filme nos EUA. Isso provavelmente colabora com o porquê de Hoffman estar em um humor nervoso. “Não importa o que digamos, vocês ainda querem falar sobre isso [como um filme sobre Cientologia]”.
Um dos melhores atores de sua geração, Hoffman está mais do que acostumado a lidar com – ou devia ser “tolerar” – a imprensa. Uma década atrás, quando eu o encontrei para Embriagado de Amor, outro filme de Anderson, um jornalista o pediu para “arriscar algo” e falar sobre sua vida pessoal. Tirando um período na reabilitação por abuso de drogas e álcool anos atrás, bem antes de ele ser famoso, não há muito o que contar. Junto com a figurinista Mimi O’Donnell desde 1999, ele tem três crianças – o filho Cooper (agora com nove anos), e as filhas Tallulah (cinco) e Willa (quatro).
Quando perguntei isso a ele depois, ele lembrou do ocorrido.
“Alguém queria que eu falasse sobre minha vida pessoal. Falar sobre minha vida pessoal para um jornalista é arriscado? Não faz nenhum sentido. Isso é só uma escolha. Não há nada arriscado em falar sobre sua vida pessoal. As pessoas fazem isso o tempo todo. Isso não tem a ver com risco. Tem a ver com alguém querer falar sobre sua vida pessoal para a imprensa. Eu prefiro não falar porque minha família não tem nenhuma escolha. Se eu falar sobre eles na mídia, não estou dando escolha a eles. Então eu prefiro não falar”.
Hoje, sentado em um salão de um antigo hotel veneziano, ele parece agitado, cansado e cauteloso. Ele parece estar a anos-luz de distância do perfeitamente arrumado Lancaster Dodd. Vestido com calças marrons e uma camisa de manga curta, os botões um pouco esticados sobre sua barriga, ele também está usando um boné verde com a marca do time de hóquei dos New York Rangers, cobrindo seu cabelo loiro. Seus braços são cobertos de sardas e uma barba loira mal-cuidada está por seu rosto. Se ele não for ganhar nenhum prêmio de estilo da GQ, você percebe que elegância em alfaiataria é a última coisa em sua cabeça.
Hoffman está acostumado a interpretar pessoas reais – mais famoso por Truman Capote, pelo qual ele venceu o Oscar de Melhor Ator em Capote de Bennett Miller – apesar de Dodd ser uma fera diferente. “Paul usou elementos do nascimento da Cientologia e L Ron Hubbard para preencher a história e o personagem,” ele diz. “Eu não fiz muito isso porque eu não estava realmente interpretando-o. Ele é um personagem fictício. Então eu tentei pensar em um monte de outras coisas, eu mesmo. Eu fui bem literal com isso. Eu não estava interessado em interpretar L Ron Hubbard porque, no fim das contas, não era a história dele, então eu não queria que fosse confuso”.
Certamente o relacionamento central – Dodd põe Freddy Quell (Phoenix), um veterano louco da Segunda Guerra Mundial debaixo de sua asa – é fictício. Mas acontecendo primariamente em 1950 (o ano em que o livro Dianetics de Hubbard foi publicado), as semelhanças entre Dodd e Hubbard são claras. Ambos adoram barcos e motocicletas, ambos não acreditam na Associação Médica Americana e ambos são casados com uma Mary-Sue (o nome dado para a esposa de Dodd nas primeiras versões do roteiro, antes de ser mudado para Peggy).
Hoffman se recusa, entretanto, a entrar em um debate sobre Dodd liderar ou não um culto. “É um movimento,” ele diz, sua mão mexendo na toalha de mesa. “Você pode ver tudo como um culto. Igrejas são cultos à sua maneira. É um movimento de natureza extrema. Você também pode relacionar isso a muitas religiões existentes. Estou interpretando alguém que está liderando uma dessas coisas, então eu realmente tenho que apoiá-lo e defendê-lo. Então eu não vi isso por esse ponto de vista. É uma maneira muito cínica de ver. Também é, no fim das contas, um filme sobre um relacionamento entre dois homens e como ele não pode funcionar com a dinâmica que eles tem juntos.”
Qualquer que seja o relacionamento com Hubbard, a verdade é que Hoffman mais uma vez fez uma performance virtuosa – poderosa, de cair o queixo, perturbadora. Você pode entender, de certa forma, sua ira com o repórter que o pediu para se arriscar. É isso que ele sempre faz na tela. Apenas pense naquela cena terrível em Felicidade, onde ele está respirando fundo ao telefone com Lara Flynn Boyle. Ou a drag-queen que ele interpretou em Ninguém é Perfeito. Ou o personagem em luto em Com Amor, Liza (filme escrito por seu irmão Gordy), que cria um vício de inalar gasolina após o suicídio de sua esposa. Pessoas às margens, fora de controle.
The Master, entretanto, representa sua maior colaboração até o momento com Anderson, que escalou Hoffman em cinco de seus seis filmes, mais do que qualquer outro ator. Suas carreiras estão praticamente coladas. Enquanto as primeiras aparições de Hoffman incluíram um papel em Perfume de Mulher com Al Pacino e O Indomável: Assim é Minha Vida (onde ele leva um soco de Paul Newman), foi como o jogador tagarela na estréia de Anderson Jogada de Risco em 1996 que ele começou a ser notado. Na época de Boogie Nights: Prazer sem Limites, sua interpretação do assistente de filmes pornôs Scotty, uma demonstração perfeita de um estranho ódio a si mesmo, Hoffman era uma parte fundamental do grupo de atores de Anderson.
Sua amizade, ele diz, não é como o relacionamento do Master com Freddie (para começar, Hoffman, de 45 anos, é três anos mais velho que Anderson). Não há uma equação de mentor e pupilo. “É diferente disso,” ele diz. “É mais uma amizade mútua. Quando estamos trabalhando juntos, aí o status pode mudar, porque ele está dirigindo, mas passamos muito tempo juntos sendo só nós dois”. Eles passavam horas falando de Dodd, durante três ou quatro anos, Hoffman permitindo que o personagem se impregnasse em “minha mente”.
A conversa toma um rumo interessante quando começamos a falar de terapia. Algumas das cenas mais poderosas de The Master vem quando Dodd leva seu pupilo para sessões intensas designadas a acessar seu inconsciente e descobrir a raiz de seus traumas. “Eu acho que terapia ajuda,” diz Hoffman. “Acho que todo mundo sabe disso. Você faz pela sua vida, por você mesmo, porque quer explorar algumas coisas e chegar à origem de algumas coisas. É sobre sua vida, a qualidade dela. Traz muita humildade, eu acho”.
O que faz de Hoffman um ator tão honesto, tão sincero, é o quão afiado ele pode ser. No passado, ele falou sobre querer “realmente mostrar o que significava ter tantas dúvidas sobre você mesmo, tanto medo”, explorar a dificuldade de criar conexões, nossos próprios sentimentos de inadequação. “É difícil,” ele diz, sobre atuar. “O trabalho não é difícil. Fazê-lo bem é difícil. Atuar muito bem requer muito, muito foco. Fazer escolhas e se concentrar de tal maneira que você pode viver momento a momento… É difícil, é difícil”.
Nascido em Fairport, Nova York, Hoffman cresceu no subúrbio de Rochester – uma existência que ele descreveu como em algum lugar entre “lixo branco e afluência”. Criado com duas irmãs e um irmão mais velho, Hoffman viu seus pais se separarem quando tinha nove anos. Seu pai, que trabalhava para a Xerox e “viajava muito”, saiu da casa da família, deixando sua mãe criando seus quatro filhos. Uma ativista dos direitos civis e advogada que mais tarde se tornou juíza, Marilyn O’Connor também era uma forte feminista – e uma alma inteligente, otimista e artística, pelo que muitos dizem.
Hoffman estava totalmente sob sua influência quando adolescente. Apenas veja seu discurso de aceitação do Oscar. “As paixões dela se tornaram as minhas paixões,” ele disse ao mundo. Ainda novo, Hoffman conheceu o teatro e os esportes por meio de sua mãe. Um adolescente robusto, ele preferiu o segundo: baseball, futebol americano e luta. Todos os seus amigos eram atletas, ele diz. Mas aí um machucado no pescoço, obtido no treinamento de luta, acabou com qualquer ideia de seguir em frente. “Você precisa fazer outra coisa para preencher seu tempo.” Sua mente se voltou para o palco. “Eu ia ao teatro desde os dez ou 12 anos. Sempre amei o teatro. Eu participei de peças no ensino médio e acabei indo para a faculdade pra isso. Então foi nessa época que eu pensei que era algo que eu queria fazer”.
Sua “luz” veio quando ele viu All My Sons de Arthur Miller pela primeira vez. Ele estudou teatro na Escola de Arte da Universidade Tisch de Nova York, mergulhando na forma de arte. Ele ainda faz isso. Ele tem estado muito envolvido com a Companhia de Teatro LAByrinth, com base em Nova York, há anos, passando mais de uma década como co-diretor artístico.
Foi seu tempo em uma produção de Vejo Você no Próximo Verão que mais tarde o inspirou a transformá-la em sua modesta estreia na direção em 2010. E é tentador, se não maliciosos, observar seu papel como Caden Cotard no filme de 2008 Sinédoque, Nova York de Charlie Kaufman – um diretor de teatro com ansiedade e neuroses – como um tipo de auto-retrato distorcido. Ele diz que nunca quis ser uma estrela das telas, só queria ir de bicicleta até o teatro local. “Do nada alguém te encara em um restaurante e você acha que essa pessoa não gosta de você, que quer brigar com você, ou que você a conhece e esqueceu seu nome. Aí você percebe que ela viu seu filme e te conhece. E isso é chocante”.
Enquanto ele não é um dos que faz campanha para políticos, ele votou no candidato radical Ralph Nader nas eleições presidenciais de 2000, e até liderou um documentário, Last Party 2000, filmado durante os últimos seis meses de campanha nas Convenções Nacionais Republicana e Democrática. Sendo bem sucedido como um gerente de campanha em Tudo Pelo Poder de George Clooney, eu pergunto como ele se sente sobre toda a agitação em ano de eleição nos EUA. “Dão mais atenção a isso porque é um processo mais longo,” ele diz. Com apoio de celebridades e debates televisionados, parece o showbiz. “Bem, essa é a imprensa,” ele responde, o desdém em sua voz retornando.
A chance é que ele estará no concurso de popularidade de Hollywood durante os meses de inverno, com uma indicação ao Oscar quase certa por The Master. Ele já esteve lá, é claro. Além de sua vitória por Capote, ele foi indicado duas vezes na categoria Melhor Ator Coadjuvante – por seu padre acusado em Dúvida e o agente da CIA em Jogos do Poder. “Vencer foi apavorante,” ele disse. “Levantar-se na frente de 100 milhões de pessoas… você nem imagina o medo! Você não sobe lá feliz. Você sobe em terror absoluto. Pensando que vai dizer algo muito idiota e todo o mundo vai ouvir!”
Atualmente filmando o thriller político de Anton Corbijn A Most Wanted Man, ele já tem o conto musical A Late Quartet a postos e dizem que ele vai dirigir outra vez – um drama sobrenatural chamado Ezekiel Moss. Mas, mais intrigante, ele está prestes a estrelar Em Chamas, a sequência de Jogos Vorazes. Baseados nos livros de sucesso de Suzanne Collins, onde adolescentes em uma sociedade totalitária são obrigados a lutar até a morte por entretenimento das massas, Hoffman interpretará Plutarch Heavensbee, o Idealizador-Chefe politicamente astuto, que organiza o torneio. “Eu não conhecia os livros até o filme estrear e as pessoas me falarem sobre,” ele diz. “Estou no meio da leitura do último agora; eles são muito especiais”.
“Ela escreveu esses livros para adolescentes sobre fascismo e eles superam o fascismo, e aí o que supera o fascismo é tão ruim quanto o governo fascista. É muito esperto”. Ele acha que os adolescentes entendem o subtexto político? “Não imagino como não entenderiam. Ela é bem clara”. Então isso significa que ele está prestes a se tornar um ídolo adolescente? “Não acho que isso vá acontecer!” E ele sorri – um raro raio de sol em um rosto nublado.