O destino de Effie Trinket

Em todos os livros da trilogia Jogos Vorazes, Suzanne Collins usa a perspectiva da protagonista Katniss para narrar toda a história, sem usar em momento algum a visão de outros personagens, privando o leitor de outros acontecimentos de dentro do enredo. Collins, porém, genialmente dá indícios do que pode ter acontecido com determinados personagens. E é através de Effie Trinket que vamos observar isso.

Durante a Colheita, Effie é descrita como “representante do Distrito 12, recém-chegada da Capital e com seus assustadores dentes brancos, cabelos cor-de-rosa e um primaveril vestido verde”, descrição extremamente incomum se comparada com o cotidiano dos moradores do Distrito 12. Essa assustadora diferença é belissimamente retratada na foto acima, em que Elizabeth Banks e Jennifer Lawrence interpretam suas personagens. 

Porém, essa não é a única diferença. Enquanto Katniss questiona o poder da Capital, Effie não percebe as visíveis diferenças entre os distritos e o luxo de uma vida na Capital. Logo no começo de Jogos Vorazes, Effie pergunta para Katniss se esta se voluntariou como tributo para roubar a glória de Prim.

“Aposto que é irmã dela. Não quer que ela lhe roube a glória, não é?”

A passagem acima demonstra que, para Effie e todo o restante da população da Capital, os Jogos são apenas uma diversão, quando quanto para a maior parte de Panem é um jogo de vida ou morte. E quando há vida, esta torna-se insuportável para o vencedor.

A alienada personagem sabe nada acerca do abuso do governo da Capital sobre os outros distritos.  Para ela, tudo é apenas um grande show. A honra de estar nos Jogos, as festas, as roupas e todos os compromissos que um tributo e vencedor têm são encarados por Effie como obrigações absolutamente satisfatórias, mesmo que para a grande maioria aquilo tudo seja uma grande tortura.

Com esse perfil acima, pode-se traçar claramente o destino de Effie Trinket em A Esperança, desfecho da trilogia e no qual ela não aparece durante a maior parte do livro.

O que Effie fez durante o pré-guerra e a guerra em A Esperança é incerto, porém fácil de deduzir. Effie, assim como os cidadãos da Capital, sofria lentamentecom a escassez de produtos vindos dos distritos, sem saber o motivo, pois, é claro, a Capital nunca deixaria que seus habitantes soubessem dos levantes nos distritos. Durante a estadia de Katniss no Distrito 13, Effie permaneceu na Capital. Em perigo? Não, já que a Capital sabe perfeitamente o quão pouco informada é Effie acerca de Katniss. Portanto, Effie ficou bem acomodada na Capital.

Quanto à sua posição política, Effie deve ter mantido-se indiferente. Não apoiou o Distrito 13 pela estratégia da Capital de tornar o Treze um completo vilão e pela pressão social que uma traição poderia causar. Porém, a personagem provavelmente percebeu que aos poucos a Capital toda seria tomada e que era uma questão de tempo para que ela visse que o regime totalitário da Capital estava com os dias contados. Effie não tomou partido político na guerra.

Com esse raciocínio, ela e a maior parte da Capital esperaram o circo pegar fogo. Afinal, aquela não era uma guerra deles e sim dos distritos maltratados contra uma sistema opressor. Então, é normal que, após o término da guerra, os moradores restantes da Capital voltassem ao seu cotidiano banal de antes, sem os intensos Jogos Vorazes, mas, segundo próprio Plutarch, com a televisão recheada de programas para entreter Panem.

O sumiço de Effie Trinket, então, em A Esperança, indica o seu mundo não mudou muito com o novo sistema político que Panem sofreu. Mostrando, mais uma vez, a alienação de quem mora na Capital.


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Comentários

Uma resposta para “O destino de Effie Trinket”

  1. Avatar de Ywoollyanna

    Gostei do texto e de como conseguiu passar ao leitor o destino da Effie sem sair da história. Apenas contando fatos não presentes nos livros, mas que quem leu sabe que a Collins deixou-os bem explícitos para quem quisesse vê-los. Os livros dão uma “liberdade” em termos quanto ao que você pode ou não imaginar sobre os personagens. Collins conseguiu fazer uma narração onde, mesmo não estando escritas, certas coisas se tornam claras para quem consegue apreender a questão em pauta. E, no caso da Effie, é simplesmente a crítica da alienação que muitos passam hoje. Afinal, quantos não ficam, hoje, esperando o desenrolar dos fatos sem tomar partido?
    Collins sempre nos colocando questões de auto-crítica nos livros. Amo isso que ela fez: criticar-nos da forma mais cruel e ainda sim nos fazer gostar dessa série. Demais!