[Reportagens] NYT sobre Jennifer Lawrence: “Ser humana parece o suficiente”

O New York Times publicou, em 21 de fevereiro, uma matéria recapitulando a carreira de Jennifer Lawrence desde a edição de 2008 do  Festival de Veneza até sua vitória no Oscar 2013, quando a jovem de então 23 anos mostrou ao mundo seu carisma apaixonante e abraçou sua carreira em ascensão.

Em comemoração ao Oscar hoje à noite, o D13 posta a matéria traduzida pela nossa equipe. Leia abaixo.

Ser humana parece o suficiente

Jennifer Lawrence de “Trapaça” acrescenta a evidência de ser material estelar

Traduzido por Cecília Bonfim

Foi no Festival de Cinema de Veneza de 2008 que Jennifer Lawrence – futura vencedora do Oscar, esfoladora de esquilos, guerreira americana – deu sinais de que não era uma estrela qualquer. Ela ainda não era famosa, só sobra para os paparazzi atrás de Charlize Theron, sua co-estrela de “Vidas que se Cruzam”, um daqueles apáticos filmes agoniantes que passam em grandes festivais por causa de seu poder no tapete vermelho. Durante um pseudo-evento para o filme, a srta. Theron falou sobre o número limitado de atrizes mais velhas trabalhando na indústria e choveu elogios para a co-estrela Kim Basinger, que não estava lá. A srta. Lawrence aparentemente silenciou a sala brincando que a srta. Basinger tinha morrido. A garota não consegue evitar!

O que a srta. Lawrence disse na época foi mais engraçado e tão direto que parece que apenas um jornalista do jornal britânico The Daily Telegraph parece ter repetido. “Trabalhar com Kim foi um dos momentos mais maravilhosos da minha vida,” disse a srta. Lawrence. “Ela é tão concentrada e esperta e legal – tudo o que você não espera quando ouve que vai trabalhar com Kim Basinger.” Isso foi uma gafe boba ou uma cutucada sarcástica e engraçada do tipo que um dia poderia ter sido dita por Judy Holliday? Ou Jennifer Lawrence estava apenas sendo Jennifer Lawrence, a vencedora do Oscar de melhor atriz que tropeçou no caminho para buscar o prêmio por “O Lado Bom da Vida” de David O. Russell e depois – no que foi o encerramento perfeito para a futilidade da temporada de prêmios – deu o dedo para alguém na sala de imprensa?

“O Lado Bom da Vida” foi o filme que mudou minha opinião sobre a srta. Lawrence, 23, me transformando de cético em um admirador apreciativo. Ela mudou ou fui eu? No filme de comédia maluca de 1940, “Núpcias de Escândalo”, a personagem de Katharine Hepburn diz que “o tempo para se decidir sobre as pessoas – é nunca.” Isso também é um bom conselho para críticos de cinema, cuja tarefa pede que eles julguem rotineiramente depois de apenas um encontro com o objeto de sua investigação. Vendo uma vez sua estrela se tornando a sofredora dos Ozarks em “Inverno da Alma”, o filme que fez muitos começarem a usar a palavra “revelação” no Festival de Cinema de Sundance, não tinha me convencido, e nem sua vez como o furacão azul Mística no filme de ação de 2011 “X-Men: Primeira Classe”.

Como Tiffany, a sensual viúva transformada em dançarina perseguidora em “Lado Bom”, a srta. Lawrence viveu um papel enganador e difícil com tanta transparência que parecia que ela tinha destruído o espaço entre ela e sua personagem. Tiffany não faz muito sentido na história – ela persuade o personagem de Bradley Cooper a formar um par com ela para uma competição de dança, apesar de nenhum dos dois saber dançar de fato – mas o filme do sr. Russell é irresistível, e a performance da srta. Lawrence é tão agradável, firme e emocionalmente crível que deixa os artifícios da narrativa irrelevantes. Como todas as personagens marcantes da srta. Lawrence, ela não aceita não como resposta, seja perseguindo o destruído sr. Cooper em “Lado Bom” ou dando um beijo em Amy Adams que mais parece um soco no mais recente do sr. Russell, “American Hustle”.

Neste filme, a srta. Lawrence interpreta Rosalyn, a esposa negligenciada de um trapaceiro (Christian Bale) que se apaixonou pela personagem da srta. Adams. Srta. Lawrence não tem tanto tempo de tela assim, mas ela é uma presença dominadora, palpavelmente física, de decote pronunciado, quadris largos, boca suja e cabelo alto e explosivo. (Ela foi indicada a Melhor Atriz Coadjuvante.) É uma performance deliciosa, suculenta e surpreendente: você nunca sabe o que Rosalyn quer, talvez porque o sr. Russell também não saiba. Mas isso faz da personagem um deleite confuso e desestabilizador em um filme que faz do caos uma virtude. E como o sr. Russell gosta de trabalhar tanto com homens quanto com mulheres, Rosalyn não é decorativa ou um espetáculo de fetiches, mas igual a sua contraparte masculina (Sr. Cooper).

Quando Rosalyn balança nos saltos, vemos a ela ou a srta. Lawrence, e isso importa? Nesse balanço, vemos uma tempestade vindo, assim como um lembrete de Jean Harlow em “Jantar às Oito” e Marilyn Monroe em “Quanto Mais Quente Melhor”. Mas também vemos uma daquelas representações empolgantes e instáveis da vida que os filmes nos oferecem. Ainda assim, enquanto os atores atuam, as estrelas fazem mais do que performances: Elas entregam personalidades identificáveis, comerciais, que frequentemente desfocam as linhas entre seus mundos dentro e fora das telas e o trabalho pesado que entra na criação de estrelas. Cary Grant personificou a elegância cinematográfica, mas ele também treinou como acrobata, o que explica sua graça física mesmo quando ele tropeçava. “Todos querem ser Cary Grant,” como sabidamente ele disse. “Até eu quero ser Cary Grant.”

Pelas entrevistas da srta. Lawrence, seus furtos fora de cena, invasão de fotos e olhos saltados do calibre de Marty Feldman, ela não parece especialmente interessada em interpretar a estrela; ser humana parece o suficiente por agora. Isso não é tão fácil quanto parece dada a dificuldade profunda que as estrelas tem agora de ter algo parecido com uma vida privada – entrar em uma aula de yoga ou desmaiar bêbado no carro de um amigo – sem se tornar combustível para os tabloides e sites de fofoca. Algumas estrelas lidam desastrosamente com a falta de privacidade, alimentando a fera enquanto ela os devora, enquanto outras transformam suas vidas em performances fornecendo um item por vez, como Angelina Jolie faz brilhantemente. Muitas apenas sorriem e repetem as mesmas respostas enlatadas sobre quão maravilhoso foi trabalhar com essa outra pessoa famosa.

A única irmã com dois irmãos mais velhos, srta. Lawrence pode parecer natural, mas seu talento tem sido moldado há quase uma década de experiência como atriz. Aos 14 anos, durante uma visita a Nova York, ela foi encontrada por um olheiro de modelos. Ela apareceu na televisão em programas como “Arquivo Morto” (como a filha de uma mulher assassinada) e “A Paranormal” (em um episódio, ela interpretou metade de um homicídio duplo de mãe e filha) e surgiu ilesa de uma sitcom ruim, “The Bill Engvall Show”. Em 2008, ela acrescentou três filmes ao seu currículo, incluindo “Vidas Que se Cruzam” e outro título esquecível, “Garden Party”. Mais importante, houve uma protagonista em uma confusão interessante, “The Poker House”, um filme brutal de inspiração autobiográfica da atriz tornada diretora Lori Petty sobre crescer em uma casa onde sua mãe se prostituía.

Interpretando a mais velha de três irmãs de uma prostituta destruída por drogas e bebidas, srta. Lawrence entrou em um papel que pareceu um modelo para seus papeis em “Inverno da Alma” e “Jogos Vorazes”: a sobrevivente de rosto novo e vida sofrida forçada a ser como mãe de suas irmãs mais novas e sua mãe desligada. Em “The Poker House”, ela beija o cafetão de sua mãe e sacode uma arma, é estuprada e quase imediatamente joga em um jogo de campeonato de basquete. Apesar de ela parecer tão jovem quanto sua personagem de 14 anos, srta. Lawrence também projeta o tipo de dureza nativa em face aos perigos grandes e pequenos que fazem da agonia do filme eterna. Você fica imaginando se essa resiliência é o que Jodie Foster viu quando escalou srta. Lawrence em “Um Novo Despertar”.

Quando “Um Novo Despertar” foi lançado, em maio de 2011, srta. Lawrence já havia sido indicada a Melhor Atriz por “Inverno da Alma” (perdendo para Natalie Portman) e escalada como Katniss Everdeen em “Jogos Vorazes”. Ela tinha 21 anos quando foi lançado, o que parecia idade demais para uma garota de 16 anos subnutrida, descrita no livro como aparentando 14 anos. Que as curvas de srta. Lawrence pudessem ser parte do cálculo de marketing para atrair espectadores homens para um filme voltado para as mulheres – o estúdio estava buscando o que a indústria chama de quatro quadrantes, ou homens, mulheres, abaixo e acima de 25 anos – não passou pela minha cabeça até depois. Ainda acho que ela foi escalada erroneamente, mas depois de ser tão visto e uma sequência marcante, é impossível imaginar qualquer outra pessoa liderando essa revolução.

Em janeiro, “Jogos Vorazes: Em Chamas” quebrou alguns recordes, primeiro tirando “Homem de Ferro 3” do posto de maior arrecadação doméstica de 2013. Nesse mesmo mês, o escritor e incisivo observador da indústria Mark Harris percebeu que “Em Chamas” havia atingido uma marca ainda mais impressionante: Foi o primeiro filme com uma protagonista mulher a liderar a bilheteria anual desde “O Exorcista” 40 anos antes. “Em Chamas” – e, por extensão, a série de filmes – tinha, encerrando quatro décadas de histórias e romances para homens, se tornado um marco cultural que faz objeções estéticas não virem ao caso. A franquia não forçará as mudanças necessárias para os grandes estúdios, mas seu sucesso deve tornar mais difícil para os “ternos” da indústria e seus apologistas de mídia dispensarem filmes sobre mulheres.

Ainda assim, os tipos de mídia de entretenimento continuam, com sorrisos e condescendência extrema, a rotular srta. Lawrence como “estranhamente encantadora” – uma manchete online de um programa recente disse que ela tornou o Globo de Ouro “mais incrível, com sua maneira ótima e desajeitada” – o que sugere o quão anômala ela parece, quão confusa e inclassificável ela é entre as sem graça e sem gosto. Instrutivamente, sua fama não é amplificada ou obscurecida por revistas de moda ou pelo tapete vermelho, onde tantas atrizes mantém as aparências do estrelismo mesmo sendo recusadas em papeis grandes e sérios dos estúdios. Ela cumpriu seu tempo posando e se enfeitando, interpretando a garotinha feminina, a ingênua boneca de papel de olhos arregalados, mas ela também foi com força para as grandes telas ao lado de homens multimilionários como Robert Downey Jr. A sorte ainda não está a favor dela, mas aposto em sua vitória.


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Uma resposta para “[Reportagens] NYT sobre Jennifer Lawrence: “Ser humana parece o suficiente””

  1. Avatar de Dayanne Teixeira
    Dayanne Teixeira

    Amei, amei, amei. É direto e claro. Falando sobre os mais diferentes papeis de Jennifer, suas características e atos marcantes; Adorei!